Vão-se os dedos e ficam os anéis ou vão-se os anéis e ficam os dedos?
O ditado popular pode ser formulado nas duas versões, as quais representam perspectivas complementares, mas que podem demonstrar qual é a sua visão de mundo. Você escolheria os anéis ou os dedos?
A primeira perspectiva ressalta a brevidade da vida humana comparada à longevidade dos metais nobres, geralmente a matéria-prima dos anéis destinados a simbolizar autoridade, poder, compromisso e suntuosidade. Contudo, por ironia, até um mísero anel de plástico destes que fazem parte dos brindes infames dos doces infantis, pode alcançar a durabilidade de 500 anos, nesse caso, infelizmente, como detrito poluidor da natureza.
Por outro lado, a segunda perspectiva nos alerta de que se não houver vida, ou seja, dedos para usufruir do anel, a joia perderia significativamente o seu valor para o indivíduo em questão. Diante de uma situação limítrofe, tal como escolher entre manter a posse do anel ou continuar vivo, parece ter pouco sentido escolher pelo anel, afinal a morte inviabilizaria o desfrutar da sua posse.
Pode parecer óbvia a opção pela vida em uma situação limítrofe, mas será que a reiteramos quando o dilema é camuflado pelo cotidiano?
O anel, além de representar posse material, também é um símbolo de autoridade e compromisso. Atualmente, o costume de usar o anel correspondente à profissão escolhida se encontra quase em desuso, mas ainda é um exemplo de demonstração de autoridade obtida pelo título da formação acadêmica. Os anéis de noivado e casamento, no entanto, ainda fazem parte da tradição cultural e sinalizam o compromisso amoroso com alguém.
Em ambos os casos, a partir do anel podemos deduzir um papel social: uma noiva, um esposo, um advogado, uma médica.
Para alguns, o desapego material é mais simples do que abrir mão do seu papel social diante do dilema “os anéis ou os dedos”. A tendência de atribuir identidade ao papel, como se este fosse a única razão do seu viver, pode ocasionar, a longo prazo o sentimento de luto por uma vida não vivida. Viveu-se apenas o papel, mas não a vida.
O conto “O Espelho” de Machado de Assis explora com maestria a questão. O personagem principal reflete sobre suas duas almas: a interna e a externa. A alma externa, no conto representada pelo uniforme militar de alferes do personagem, equivale ao anel. A alma interna, aos dedos.
Recomendo a leitura, bem como, a opção pelos dedos.